Sempre houve tragédias de diferentes origens e sempre pareceu muito difícil explicar para as crianças as causas de tais acontecimentos. Com o surgimento da TV nos anos 1950, para fazer frente ao rádio e trazer notícias e informações para dentro de nossas casas, o acesso a essas informações fi cou mais fácil. Ninguém podia imaginar que 20 anos depois surgiriam o computador e a internet, que não só revolucionaram as comunicações como o comportamento e os costumes das novas gerações. Surgiram diferentes telas, todas ligadas a uma internet cada vez mais rápida e que passaram ser tão comuns quanto os eletrodomésticos. As crianças, hoje, têm acesso a brinquedos tecnologicamente mais sofisticados que muitas máquinas que seus avós e pais conheceram e, como nativos digitais, ainda são mais ágeis que a grande maioria dos adultos.
O desenvolvimento das mídias digitais trouxe às nossas casas, com extraordinário realismo e rapidez e muitas vezes sem a necessária triagem, notícias alarmantes e realistas sobre epidemias, terremotos, enchentes, incêndios, assassinatos, assaltos. Crianças de várias idades tornaram-se espectadores de cenas intensas, nas quais pessoas e animais são vítimas de todo tipo de perda e brutalidade. Os adultos, que antes não enfrentavam tais embates com as novas gerações, hoje se veem na posição de dar esclarecimentos sobre assuntos que eles mesmos acham chocantes e têm dificuldade para lidar.
O ACESSO A ALGUMAS INFORMAÇÕES PODE FAZER COM QUE A CRIANÇA PASSE A VER A SUA VIDA COM DESESPERANÇA, POIS AINDA NÃO TEM RECURSOS INTERNOS PARA COMPREENDER OS PRÓPRIOS SENTIMENTOS QUE TAIS EXPERIÊNCIAS ACARRETAM
O que aconteceu é que a TV, em boa parte, cedeu seu lugar de interesse aos celulares, jogos eletrônicos, Ipads, e para não perder espaço no interesse da população começou a permitir que notícias e entretenimento, antes exclusivos a adolescentes e adultos, passassem a ser apresentados de manhã e no período da tarde, quando escolares têm em geral livre acesso às telinhas. Mudaram também os costumes, mães na maioria trabalham fora e houve um evidente relaxamento ao controle sobre o que os pequenos devem assistir e interagir.
Muitas de nossas crianças trocaram os parques e as ruas por horas diárias na frente das telinhas, onde o sensacionalismo é exibido de modo descomedido. E pior, quase sempre sem a presença de um adulto para interceder e explicar a elas o que realmente acontece e mediar essas informações de maneira que o fato seja separado dos comentários, das interpretações.
Vemos hoje que a infância está se tornando cada vez menor, com o acesso impensado das crianças a notícias, programas, jogos que focam tragédias, problemas sociais, drogas, sexo, violência etc. Principalmente em idade pré-escolar e escolar. Isso tende a fazer com que pensem que o mundo é mais violento e perigoso do que realmente é. Essa ideia é corroborada pelo dr. Michael Rich, do Hospital Boston, que afirma a respeito: crianças que estão sempre assistindo notícias inquietantes na televisão e nas telinhas de computador e celulares podem apresentar a chamada “síndrome do mundo ruim”.
Elas passam a ver a sua própria vida com desesperança, estão sempre preocupadas, tornam-se confusas, apáticas ou agressivas demais, pois nessa fase a maioria não tem recursos internos para compreender os próprios sentimentos que tais experiências acarretam.
Com a maximização da realidade virtual, um outro fato importante a ser lembrado é que há marcante diferença, para os seres humanos, entre assistir na TV a uma tragédia (como um incêndio destruir uma casa, uma embarcação naufragar) e vivenciar um drama. Entretanto, jogos virtuais afetam de modo mais intenso a criança do que um noticiário de assunto similar na TV. São graus de mobilização interna com consequências diferentes para cada idade e pessoa. Uma situação não prepara a criança para vivenciar a outra.
Uma outra consequência da excessiva visibilidade da brutalidade, seja virtual ou não, é que essa experiência comprovadamente tende a aumentar a tolerância das pessoas, modificando seu critério de aceitação a situações de agressividade e abuso. Muitos especialistas têm alertado os adultos quanto aos prejuízos a curto e médio prazo que afetam crianças perniciosamente expostas a situações reais de risco ou a jogos virtuais que envolvem diferentes aspectos de violência, como aquelas que assistem a noticiários, programas adultos nas telas, em horário diurno e ainda sem a presença de seus cuidadores. Não à toa, o interesse pela leitura, pela aprendizagem, a atenção e a memória tornam-se oscilantes. Além desses, há os prejuízos relacionados à falta de contato humano, as raras brincadeiras ao ar livre, os jogos com seus pares, a necessidade de seguir regras do mundo real acarretados para as crianças de hoje.
Entretanto, pior e inaceitável é a situação da criança, quando a violência entra de fato na sua vida diária como bullying, abuso, violência doméstica, que abalam a formação da personalidade e criam comportamentos inadmissíveis, como brigas entre iguais, agressão aos professores, roubo, uso de drogas etc.
É preciso dar lugar às expressões infantis e tentar conduzir para a superação do medo, com diálogo e ações positivas, como, por exemplo, lembrar como os avós lidaram no passado com situações desastrosas de modo positivo e como seus pais superaram medos na idade deles.
Educar e conduzir com amor e serenidade o desenvolvimento dos filhos não é afastá-los da realidade, seja no mundo real ou virtual, mas cuidar que as experiências sejam bem variadas, não sejam danosas, mas adequadas a sua idade e à personalidade que queremos que desenvolvam. Talvez não possamos controlar o acesso às informações desgastantes, mas se faz necessário e urgente preparar as crianças para saberem filtrar e lidar com elas.
Artigo publicado na Revista Psique edição 169*
Todos os pais já tiveram momentos em que ao perderem a paciência com seus filhos acabaram encontrando um grande problema a resolver: o ressentimento da parte das crianças e adolescentes, que se sentiram frustrados por terem que obedecer sem ter tido oportunidade de expor seu ponto de vista.
É natural que os pais, por serem adultos, tenham uma visão diferente das crianças e dos jovens em quase todos os assuntos e que, para seguir uma orientação coerente na educação que decidiram adotar, tenham que tomar medidas que às vezes parecem autoritárias, arbitrárias, mas corretas, pois eles são os guardiões legais e sua responsabilidade é enorme. E atitudes aparentemente intransigentes para os pequenos muitas vezes são necessárias, indispensáveis e imprescindíveis.
Crianças não têm condição de se responsabilizar por decisões que podem vir a prejudicá-las. A ideia de que deixar as escolhas para os filhos fazerem pode vir a ensiná-los a se comportar diante das opções da vida é válida desde que a criança já tenha maturidade para responder pelas eventuais consequências de sua decisão. E esse é um processo gradual e que merece cuidado.
Sair de short e camiseta no frio, por exemplo, pode dar chance de uma gripe aparecer, assim como sair com roupas inadequadas à idade cronológica expõe a criança a comentários e até ao bullying. E é possível citar perigos ainda maiores, como a erotização, que prejudica o desenvolvimento da criança, sua escolaridade fica empobrecida e o risco de ser vítima de um adulto inescrupuloso aumenta muito.
Deixar o filho de sete anos dormir na casa do amigo porque todo mundo faz isso? “Todo mundo” não tem pai, mãe ou família, nem certidão de nascimento: verificar quem é a família do amigo e como conduz a educação dos filhos é uma medida de segurança que todos os pais devem tomar, da mesma forma como mandar para acampamento da moda, ou para onde o amiguinho vai requer análise e um eventual “você não vai”. Mas dito com calma e propriedade, de modo que a criança entenda que o adulto está cuidando dela e não apenas a aborrecendo, contrariando ou sendo injusto.
“Pegar o carro só para dar uma voltinha no condomínio”, além de ilegal, expõe o jovem menor de idade e sem carta a um problema gigantesco, com consequências impensáveis e desnecessárias. E os pais também…
Claro que concordar com tudo não é possível, assim como não ouvir o que a criança ou adolescente têm a dizer prejudica o vínculo entre pais e filhos, desencoraja a criança a expor suas ideias, o que também traz rupturas no entendimento futuro.
AS CRIANÇAS QUE SE TORNAM ADULTOS MAIS SEGUROS E CONSCIENTES DE SEUS ATOS SÃO AQUELAS QUE TIVERAM PAIS QUE ACOMPANHARAM SEU DESENVOLVIMENTO DE MODO MAIS TRADICIONAL.
Comentários que diminuem a importância do pensamento dos filhos não consistem em opção condizente com alguém que deseja educar seus filhos com respeito e amor. Frases como “você não entende mesmo”, “essa bobagem só podia vir de você”, “não tenha ideias”, “você não pensa” etc. são armas de efeito bombástico na educação, pois diminuem a auto-estima e enfraquecem o diálogo.
Quando não concordamos, é melhor parar e pensar se entendemos realmente o que nosso filho tentou nos dizer, pedindo que explique mais seu ponto de vista. Isso ajudará ambos a raciocinarem, clarearem as ideias e acharem pontos em comum.
Mas pode haver discórdia total e então dizer coisas como “compreendi sua ideia, é boa, mas não será possível, pois não tenho a mesma opinião sobre o assunto”, ou “agradeço que tenha tentado me explicar, mas estou seguro de que devemos fazer como eu penso, vai ser melhor para você”, “escutei e achei seus argumentos muito bons, mas não são consistentes e teremos que fazer de outro modo”.
Hoje tornou-se mais complicado distinguir quando podemos deixar nossas crianças e jovens decidirem por si sós e quando devemos impor nossa vontade. Parte disso deve-se a um subterfúgio nem sempre consistente de não se ter mais tempo para acompanhar os filhos e assim deixá-los aprender na prática as consequências de seus atos. Essa parece ser uma ideia que justifica muito bem a premissa.
Mas temos visto que crianças e pré-adolescentes que se tornam adultos mais seguros e conscientes de seus atos são justamente aqueles que tiveram pais que acompanharam seu desenvolvimento de modo mais tradicional.
Incentivar a adolescência precoce-mente nas crianças é o pior de todos os enganos: ninguém amadurece de uma hora para a outra e sem ter passado por algumas experiências e ser poupado de muitas outras. O excesso de provações tira a confiança nos pais e dá a ideia de negligência e abandono.
O desejo de tornar o filho autônomo não contraria a necessidade de impor regras na sua educação e limites às suas vontades e desejos. Mas exige vigilância, cuidado e diálogo. As crianças se sentem mais seguras quando sabem que há alguém que cuida delas e as supervisiona com frequência; embora reclamem de não fazerem ou terem tudo o que queriam, aprendem a pensar sobre consequências de seus atos futuros e vão dominando a noção de responsabilidade nas suas pequenas decisões do dia a dia.
O mais importante é manter o diálogo respeitoso, ser firme e coerente nas decisões e respeitar a idade cronológica da criança: mesmo parecendo muito esperta, uma criança na deixa de ser… uma criança!