Quando atuava como professora na rede municipal de Itabira, em Minas Gerais, Ketlim de Castro, 35 anos, presenciava uma situação recorrente. Os alunos com dificuldades mais graves para acompanhar as aulas acabavam deixados de lado no processo.
“Comecei a reunir três alunos por vez em uma sala, organizando-os por dificuldades comuns e atendendo quase 80 por semana. Foi muito bom. Geralmente, essas crianças têm autoestima muito baixa, acham que não sabem nada e que nunca vão aprender. Porém, quando viam colegas em situações parecidas, sentiam-se mais motivados”, conta Ketlim, que hoje atua como psicopedagoga na Escola Municipal Água Fresca.
Os impactos positivos da inserção escolar do psicopedagogo no desempenho dos alunos chamaram a atenção da Secretaria de Educação do município. Desde 2010, a rede de Itabira adotou um programa, ainda em formato piloto, batizado de Projeto Crescer.
“A ideia é que em 2014 cada escola tenha um profissional para atuar no atendimento aos alunos com dificuldades de aprendizagem, na orientação dos pais, na construção do Plano de Desenvolvimento Individual para estudantes com distúrbios de aprendizagem ou síndromes e na formação de professores a partir da demanda de cada escola”, explica Ketlim, que coordena o projeto.
Além de Itabira, outros municípios preveem a presença do profissional nas equipes pedagógicas. Em São Paulo, destacam-se as redes de Barueri, Osasco, Santana de Parnaíba, Santos e, mais recentemente, a da própria capital. Em abril, o prefeito Fernando Haddad (PT) sancionou lei que tornou obrigatória a assistência psicopedagógica aos alunos da rede municipal da capital paulista.
A justificativa oficial é detectar, prevenir e intervir em problemas de estudantes de Educação Infantil e Ensino Fundamental. A partir de 2014, cada Diretoria Regional de Educação também terá um psicopedagogo na equipe, atualmente composta de profissionais como fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais.
Segundo a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), mais de 150 mil profissionais atuam no setor em todo o Brasil, parte deles em 92 municípios de 20 estados brasileiros que já realizaram concursos para contratar psicopedagogos, entre eles as capitais São Luís (MA) e Teresina (PI).
Mas qual é, afinal, o papel desempenhado pelo psicopedagogo na escola? “Ele entra para ajudar a observar os processos de construção do conhecimento e favorecer a aprendizagem daqueles que precisam desenvolver competências e que, muitas vezes, não conseguem fazê-lo só com a ajuda dos professores”, explica Gilca Lucena Kortmann, vice-presidente da unidade do Rio Grande do Sul da Associação Brasileira de Psicopedagogia e coordenadora de Graduação e Pós-Graduação em Psicopedagogia do Centro Universitário La Salle (Unilasalle Canoas).
Para Quézia Bombonatto, presidente da ABPp, o profissional deve avaliar a escola com base na condução do processo de ensino-aprendizagem e nas demandas locais. “Depois dessa investigação, o psicopedagogo cria um plano de atuação abrangendo a relação entre professores, alunos e coordenação, sempre tendo em vista os obstáculos que podem estar levando certos estudantes ao fracasso escolar”, afirma.
Essas avaliações não devem ser confundidas com diagnósticos. É o que alerta Maria Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia e Neuroaprendizagem.
“Quem dá diagnóstico é o médico. O que o profissional da Psicopedagogia faz são avaliações. Por exemplo, se perceber que um aluno tem problemas na escrita, ele vai lá e aponta essa dificuldade e os sintomas dela, mas nunca dirá que ele tem esse ou aquele distúrbio. O psicopedagogo faz uma intervenção, uma orientação dos profissionais da escola sobre como incluir determinado aluno.”
Matheus Soares, professor de Língua Portuguesa na Escola Estadual Senador José Ermírio de Moraes e pós-graduado em Psicopedagogia pelo Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-graduação (Censupeg), destaca a importância de a escola possuir parceiros especialistas de diferentes áreas que possam contribuir para a solução de problemas.
“O psicopedagogo é alguém com um olhar diferenciado para as defasagens, mas que visa principalmente formar e orientar os professores”, diz. Coautor do artigo “A contribuição do psicopedagogo no contexto escolar” em parceria com Clério Cezar Batista Sena, ele entende que “deve existir diálogo constante entre esses profissionais, para refletir e realizar interferências no processo de aprendizado dos alunos”.
Para isso, o profissional deve buscar também a parceria de outros especialistas que precisam estar direta ou indiretamente nas escolas, como psicólogos, neurologistas e fonoaudiólogos. “A ação do psicopedagogo também pode acontecer no âmbito da instituição familiar, quando orienta os pais em relação às atitudes promotoras da aprendizagem”, diz Marcia Siqueira de Andrade, doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP e coordenadora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicopedagogia do Centro Universitário Fieo.
Embora vários municípios realizem concursos públicos para a contratação de psicopedagogos, a profissão ainda não é oficialmente reconhecida, o que significa que não existe um Conselho próprio.
“É um perfil de profissional que está sendo construído continuamente diante das dificuldades contemporâneas da escola. Hoje, o maior desafio do psicopedagogo é justamente encontrar o seu espaço e fazer com que essas instituições o reconheçam”, aponta Soares.
Fonte: Site Carta Educação
*Publicado originalmente em Carta Fundamental
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