A cena é comum: bebês, ainda de fraldas, com um celular ou tablet em mãos, passam agilmente os dedinhos nas telas, enquanto seus olhos brilham de alegria, fixos nas imagens que se sucedem. Depois, assistem desenhos, posteriormente curtem joguinhos e anos depois, começam a digitar as primeiras letrinhas nesses mesmos teclados, até porque algumas escolas estimulam e muitos pais aprovam incontinente.
Hoje, para muitas crianças, a tela é apresentada antes do papel. Um lugar onde o dedo faz (aparentemente) mais que o lápis e o prazer encontrado em esforço à frente de um eletrônico, pode ser (e geralmente é) muito maior do que diante de um livro, um caderno, uma lousa. Não raro, crianças pequenas passam os dedos sobre revistas impressas esperando que as imagens mudem. É uma forma de descobrir o mundo, que quando são é única, é enriquecedora.
A própria internet, quando bem utilizada, é uma janela aberta para o conhecimento, e a educação pode tirar muito proveito desse fato, desde
que treine as crianças para a filtrarem informações, sintetizá-las, refletir
sobre elas antes de as utilizar. Temos assistido grandes projetos pedagógicos serem desenvolvidos por alunos de locais remotos e professores com poucos recursos materiais podem se cercar de riquezas virtuais inimagináveis por meio da internet. Quantas novidades e cursos estão ali a um “clic”!
Surgiu há algum tempo, entre alguns educadores, a ideia de trazer às escolas, mesmos às infantis, o uso de computadores e tablets de uma forma a substituírem o papel inclusive na hora da alfabetização. Isso gerou uma infinidade de dúvidas entre profissionais e especialistas, pois embora se reconheça a importância da contribuição que a tecnologia digital nos trouxe enquanto educadores, psicopedagogos e afins, também sabemos que todo exagero costuma trazer mais prejuízos do que benefícios a longo prazo. A solução é buscar nos estudos e pesquisas sérias, algumas respostas que norteiem a aplicação desses recursos de forma a otimizar a aprendizagem de todas as crianças, com e sem problemas de aprendizagem, na escola e nas clínicas.
A luz de vários trabalhos, como citaremos alguns, percebemos que a escrita à mão, aquela com que a maioria quase total dos humanos hoje vivos, se alfabetizou e para a qual nosso sistema nervoso se adaptou ao longo dos séculos, pode não ser a única possível, mas ao ver de muitos esquisadores de renome internacional parece ser, o melhor meio de alfabetização.
Ninguém aqui está falando de caligrafia, letra desenhada: falam de escrita à mão. E não estão de forma alguma desprezando a tecnologia digital, os tablets, computadores, celulares, apenas lhes dando o lugar de riquíssimos recursos pedagógicos, muito úteis se bem utilizados.
Um exemplo importante dessa conclusão é o estudo da neurocientista Karin James, da Universidade de Bloomington nos Estados Unidos, sobre a relação da escrita à mão para o desenvolvimento do cérebro infantil. Ela separou em dois um grande grupo de crianças não alfabetizadas, mas já capazes de identificar letras sem formar sílabas. O primeiro subgrupo foi treinado para copiar as letras à mão e o segundo para copiar no computador.
Entre outros achados, através de ressonâncias magnéticas realizadas, se concluiu que o cérebro responde de forma diferente nos dois tipos de aprendizagem e que as crianças do grupo que escrevem apenas à mão mostraram padrões de ativação cerebral muito similares aos das pessoas já alfabetizadas.
Além disso, os resultados desse estudo indicam que “escrever prepara um sistema que facilitou a leitura quando as crianças começaram a passar por esse processo” segundo a Dra. James. Quanto a habilidades motoras finas aprimoradas ao escreverem à mão o seu desenvolvimento se mostrou benéfico em várias áreas cognitivas.
Outros pesquisadores, como Anne Mangen da Universidade de Stavanger na Noruega, comprovaram que escrever à mão fortalece o processo de aprendizagem, já que as ações motoras fornecem um feedback importante ao cérebro. Além disso, o tipo de esforço para escrever corretamente em uma folha de papel é expressivamente diferente e mais complexo do que o de digitar. Inclusive, existe uma memória motora na região sensório motora do cérebro, criada quando escrevemos, o que é importante no processo de reconhecimento visual durante a leitura. “Pelo fato de a escrita à mão demorar mais que digitar em um teclado, o aspecto temporal também pode influenciar no processo de aprendizagem”, acrescenta a Dra. Anne.
Não podemos esquecer em nossas reflexões, que um aspecto fundamental é que o cérebro humano se desenvolve a partir das trocas com o meio. As crianças aprendem experimentando, tocando, sentindo, vivenciando. Estar com outras crianças, brincar, falar, manipular, sentir, jogar, faz parte do desenvolvimento sadio. Nosso cérebro passa naturalmente por etapas de neurodesenvolvimento aonde as diferentes áreas se desenvolvem em tempos diversos, onde períodos sensíveis e críticos se sucedem e se bem trabalhados e estimulados criam indivíduos cognitivamente muito mais aptos à aprendizagem.
Entretanto, nada sugere que hiperestimulação ou exageros sejam necessários para atingir esse fim, com exceção do caso de crianças com
perdas neurológicas, transtornos de aprendizagem, síndromes, etc. Essas precisam de especialistas e condutas pedagógicas específicas. Entretanto, a grande maioria precisa é de uma vida cheia de oportunidades próprias da idade, de brincadeiras, ar livre, convívio com outras crianças, boas escolas onde o papel, o lápis e o computador, assim como os jogos de tabuleiro, o celular, a massa de modelar, os pinceis, a tinta, a corda, o tablet, a bola e todo o resto , preencham sua mente e seu corpo de oportunidades benéficas e cuidadas de crescimento.
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